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sexta-feira, dezembro 29, 2006

Sara

Filho...
São os teus olhos que surgem por detras das palavras que agora leio.
Filho, era uma menina. Tinha os mesmos dois anos de vida que tu. Talvez mesmo a tua traquinice. Mas, filho...a Sara quando chegava à creche não corria para mostrar um brinquedo novo como tu. As notícias dizem que chegava e pedia pão. A Sara também tinha fome, filho. Fome de pão. Fome de amor...
Leio nas notícias que a Sara morreu. E morreu triste, acho...
E são os teus olhos, filho, que me surgem para além dsas letras e me fitam. E me perguntam porque estou triste também.
Porque me doi a alma de imaginar que alguem possa maltratar um menino como tu, bater-lhe, dar-lhe pontapés e murros...
Sabes filho, todos os meninos precisam de miminhos, de se rirem, de brincarem, de abraços e beijinhos.
Fico muito triste quando vejo que a vida é vil, odiosa para tantos meninos.
Sabes um dia, eras bebe e dava-te de mamar e na televisão passava a imagem de uma mãe com um bebe ao colo pequenino como tu. Ele chorava porque tinha fome e porque aquele peito estava seco...E aquela mãe olhava triste para o bebe. Com uma tristeza profunda e quieta. E eu olhei para ti, limpinho e cheiroso, feliz a mamar e rompi a chorar. Porque podias ser tu. Porque não aguentaria se fosses tu...E também porque nada podia fazer.
Ainda hoje há quem não entenda porque fico triste...
Filho...ainda bem que a maldade do mundo ainda passa longe de ti.
Sabes, gostaria que um dia pudessemos dividir as coisas boas com outros meninos. Poder partilhar afectos com os meninos que não tem. Sem ficarmos tristes...

quinta-feira, dezembro 28, 2006

Adeus esquecimento...

Um bilhete apenas…
Um adeus sem mais nada.

Chove lá fora. Chove sempre que a este quarto retorno.

Amsterdam continuam a ser a mesma cidade confusa e misteriosa. Onde a ordem e a existência se faz à custa de tremendos diques que seguram o oceano, disseste.
Mas noutros tempos, desafiaste a lógica destas construções e galgaste oceanos. Mergulhaste no corpo que se te oferecia. Sem medo.
Acreditaste que corpo e água e calor te fariam respirar. De novo. Uma vez mais.

Um bilhete apenas…
Um adeus como um aceno. Longínquo.

E chove furiosamente. Como sempre chove quando a ti retorno.

Já não cheguei a tempo. A tempo nenhum. Esgotou-se no silêncio. Levando consigo todas as palavras que ali deveriam ter ficado. Junto a um adeus. No lugar daquele adeus.
Palavras que contassem os sorrisos. Que convidassem ao sonho. Que levassem a outros lugares onde o perfume fosse mais doce. E os gestos mais serenos e densos.

Um bilhete apenas.
Cheio de silêncios que não dizem coisa nenhuma.

As minhas lágrimas confundem-se com as gotas de chuva. Torrenciais.

Um adeus que apaga os sorrisos dos dias de sol mediterrâneo. A pele dourada. Sedosa.
As mãos. As mesmas mãos…Quanto tempo passou? Vidas, umas depois das outras. Todos os dias. Mas o que interessa? O mundo parou com o teu adeus. E tenho dificuldade em fechar a porta deste quarto que ainda há pouco deixaste.
Levo o teu adeus apertado na minha mão. Aperto-o ainda mais enquanto desço as escadas que um dia os dois subimos e que nos levavam até outro mundo.

Um bilhete apenas…
Adeus. Até sempre. Até nunca mais.

Chove em mim como nas pedras desta rua…

O silêncio dos esquecimentos

Entre silêncios, barreiras se criam.
Muros de palavras por dizer
De gestos por mostrar
Que na falta de tempo
Na falta de querer
Se amontoam
Se avolumam.
Muros de silêncio se erguem
Para que um dia,
Mesmo gritando,
Nada se ouça,
Nada se veja
Nada se sinta
E eu de cá e tu de lá
Nenhum se aviste
Nada para lá do silêncio
Das palavras por dizer
Do esquecimento.
Silêncio…

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Entre a vida e a morte...

Não suporto ver os outros sofrerem. Sofro também...
Pode ser um choro de menino numa casa lá da minha rua.
Pode ser um olhar perdido de um velhinho sentado a ver o que resta da vida a passar.
Pode ser dos dedos gretados, gastos e roxos de frio dos meninos ciganos aqui em Portel.
Pode ser a tristeza que a solidão instala nos corações de tantas pessoas com que me cruzo na rua.
Pode ser o choro dos sonhos desfeitos.
Pode ser o sofrimento de quem me esta mais perto.
Pode ser o olhar do meu filho quando me sente triste.
Sofro com eles...
Não acho que tenhamos nascido para sermos sofredores.
Não acho que o destino de cada um tenha de passar por aí.
Acredito que temos de ser felizes.
Que a felicidade pertence a cada um de nós.
E que a morte é a única batalha que se não ganha.
...
Avó, não te quero ver sofrer mais...
Deixa a vida sair de mansinho...
Guardarei sempre a lembrança dos teus olhos verdes e amarelos de gato bravo.
E o sorriso aberto e rasgado a fugir-te por entre os dentes.
E as mãos pequeninas, de dedos gretados e gelados, enrolados nos teus chailes cor de noite.
O espírito teimoso, sempre teimoso com a vida, que se ria quando apetecia chorar.
Guardarei para sempre o sabor das tuas comidas, dos doces que me trazias das feiras. Dos restinhos de massa com feijão que me guardavas porque sabias que adorava.
Já não vais ter tempo para me ensinar o segredo dos teus bolinhos de bacalhau...
Avó...Não te deixes sofrer. Não queiras ser teimosa com a vida agora...

Memórias do Natal

Li algures que o importante são as memórias que retemos do natal durante a infância.
Dei-me conta que, apenas me lembro do natal em que a minha irmã nasceu e dos presentes ou, mais propriamente, da falta deles. À parte disso, só uma visão, esfumada, de uma consoada passada em casa da minha avó paterna.
Há-de existir uma razão para este vazio na memória, não?

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Solidão é também sentir o mundo a despedaçar-se e não o poder dizer a ninguém.
Planeei ter tempo interior para dedicar este natal à harmonia, ao carinho. Para todos aqueles de quem gosto. Escrever palavras simples que tornassem um presente, comprado na febre do típico consumismo, mais pessoal, íntimo e demonstrativo do meu gostar. Para que não restassem dúvidas.
Mas os dias sucedem-se e não tenho a certeza de o conseguir por em pratica. Sinto-me sem tempo. Sem tempo interior. Sinto-me sem a tal harmonia. Duvido de que valha a pena o esforço porque nem sei se alguém apreciaria a simplicidade de umas palavras.
Às vezes, parece-me que a vida é feita de equívocos e enganos.
E eu engano-me muitas vezes.
E a vida equivoca-se muitas vezes comigo.
Nenhum mal daí viria ao mundo se dos equívocos e enganos nascesse algo bom, mais forte.
Bem sei que a minha vida foi feita de trambolhões e sempre me ergui de novo. Sei que a cada soco recebido me sentia com mais força para continuar, teimosamente, por onde queria ir. Nunca prescindi, ao menos interiormente, do que de facto quero, desejo.
Mas tantos anos depois, não vejo com nitidez o fim, o lugar onde queria chegar.
Não me sinto com tanta força como a que desejava ter.
Falta-me a teimosia com a vida.
Começa a faltar-me a certeza de conseguir lá chegar.
Apetecia-me, tão só, poder estar. Já lá estar…
Porque custa tanto falar de amor?...

sexta-feira, dezembro 15, 2006