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segunda-feira, janeiro 09, 2006

Foi-se o fim de semana. E só posso ficar feliz por isso. Mantenho a esperança que tenha levado consigo a solidão com que me abraçou todo o fim de semana.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Lembro-me de ter olhado para o relógio....

Lembro-me de ter olhado para o relógio pendurado no cimo da porta quando entrei. Eram 21.20 Horas. É a última imagem do mundo cá fora que recordo. Depois, lá dentro, só aparelhos. Cores despidas. Gente a falar. A fazer perguntas sem me olharem nos olhos. Gente que me amarrou sem reparar no meu pânico. Agora conte até dez….e pronto. Já está. Fui-me…Acordei com a sensação de tarefa terminada. De página da vida virada. Para sempre. Recordo-me dos sonhos. De imagens quase reais. Mas ainda assim, longe da vida.
Acho que aquele relógio não está ali por acaso. Acho que nunca ninguém passa por aquela porta pelo seu pé por esse motivo. Deitado avista-se melhor. Acho que sempre que alguém ali passa o vê. No chiar das rodas velhas, os olhos fixam-se nos ponteiros das horas. Para que fiquem a saber que morreram perto das tantas horas. Como se fosse preciso saberem as horas certas para se não desorientarem e entrarem no outro lado a meio da noite mas a pensar que já é de dia.
E de novo o relógio, lá bem no alto. 22.15 Horas. Já está. Acabou-se. Para trás horas de sofrimento. Daquele que nunca passa. Ainda hoje sonho com aquele meu menino.
Claro que agora tenho o meu Menino. E não custa tanto pensar no primeiro. O segundo não conta nem para estatística, dizem. E eu tenho de acreditar. Pois se eles dizem…e no fim, eles lá sabem para que serve a estatística. Na minha vida, confesso, não serve para grande coisa. No meu dia a dia não me lembro de ter avaliado nada em função da estatística. Mas parece que para certos, tudo assim é catalogado. Há até dores que não doem de facto. Porque a estatística assim o diz. A mim, é-me indiferente. No fundo, eu sei que há coisas que doem a vida toda. Mesmo que os outros digam que não. Por isso me dói muito o coração. Sempre que penso nos meus meninos – mesmo naquele que não conta para estatística. Por isso me emociono sempre que olho este menino que a vida acabou por me conceder. Porque ele é feliz. Vê-se no seu sorriso. E porque percebo que gostaria de ter outros meninos em seu redor. Mas perderam-se nos ponteiros daquele relógio pendurado por cima daquela porta que corta o mundo em dois…Num momento está-se do lado de cá. No outro, irremediavelmente do lado de lá. Faz toda a diferença. Até mesmo para a estatística. Até pelo frio que faz para lá daquela porta se percebe que se chegou noutro lugar. Quando acordamos das imagens irreais, do tempo fictício, estamos tapados. Numa vã tentativa de nos voltarem a aquecer para a vida. Mas só cá fora, depois de voltarmos a passar por aquele relógio a alma volta a aquecer. Porque é preciso ter cautela. Verificar bem, ainda que com muito esforço, se o tempo continuou. Porque pode ser tudo parte do sonho. É preciso verificar se o tempo passou na velocidade que devia. Entrei às 21.20 horas. Saí às 22.15 horas. Tenho a certeza. Mas ainda hoje me parece pouco tempo para me tirarem um bocado de vida… Pena que não me tivessem tirado também esta dor da memória do que existiu. Preferia não ter tão presente os pormenores, a lucidez dos momentos. Dos sorrisos que dei a todos até ficar ali sozinha. Sim, obrigada estou bem. São coisas. Acidentes. Acontecem, sim. Mas estava desfeita. Ainda hoje sinto aquela dor funda. O desejo de que passasse depressa. Os olhares aflitos pelas cortinas. Obrigada. Estou bem preciso só de chorar o que não chorei ainda. De chorar todas as mágoas. Para que nunca mais tenha de voltar a chorar. Chorar até que me sequem as lágrimas. Soluçar sem vergonha. A dor da perda. Eu sabia que ia poder amar como nunca tinha ainda experimentado amar. Só não sabia que esse amor para todo o sempre trazia consigo a dor em igual medida. Para sempre, também. Eis me agora, contando como se tivesse sido ontem. Mas como se não tivesse sido nada. Mentira. A dor funda sente-se ao longo da vida sempre que à memória vem a lembrança. É para sempre…